quinta-feira, 8 de março de 2012

UMA REFLEXÃO SOBRE FECUNDIDADE E FAMLIA

CNBB – REGIONAL SUL 2 – 07 de março de 2012
Sente-se fortemente a necessidade de refundar a linha pastoral da Igreja em defesa da família e da vida através de um aprofundamento antropológico, consciente de que isto significa manter alta a tutela sobre o que é humano, realizando um próprio discernimento ao lado e através da cultura, não simplesmente defendendo-se dela. Só assim se poderá enfrentar o processo de desconstrução ao qual a modernidade induz neste âmbito. Esta é a finalidade do congresso
Di generazione in generazione que se realizou no final de Fevereiro em Milão, na Faculdade teológica da Itália setentrional, como contribuição preparatória para o próximo encontro mundial das famílias, em programa na capital da Lombardia.
A crise que hoje vivemos não nasce só de uma forte diminuição demográfica, nem de uma crescente debilidade da instituição familiar: como disse no relató-rio introdutivo o bispo de Novara, Franco Giulio Brambilla, «não só se gera menos vida, mas uma vida inferior». Com efeito, é cada vez mais difícil transmi-tir o sentido do humano – hoje facilmente reduzido ao orgânico — às novas gerações.
Precisamente daquele processo «de geração em geração» está em ato uma crise global e profunda, que ao longo do tempo garantiu a intangibilidade de um patrimônio da humanidade, rico de significado e fecundo em todos os sentidos. Porque na geração — recordou o teólogo Pierangelo Sequeri — se esconde o segredo da alteridade, da abertura ao outro. Uma alteridade, que é fundamento da continuidade do humano, uma alteridade entre seres que não são indepen-dentes um do outro, não são iguais.
Os relatórios apresentados no encontro constituem uma série de pesquisas no campo da cultura, para aprofundar os meios da comunicação, a tecnologia que inverte a ética da vida, a teologia e a filosofia portadoras da questão da natureza do humano, que se torna interrogação sobre a natureza da fé. Os novos sistemas informáticos criam um tipo inédito de comunidade de iguais, unidos por vínculos facilmente revocáveis, que — como afirmou Chiara Giaccardi, da Universidade Católica do Sagrado Coração, de Milão — permitem repensar a natureza das relações: com efeito, as relações entre pais e filhos são, ao contrário, assimétricas, marcadas pela dependência e irrevocáveis. Portanto, sugerem que as realidades importantes do ser humano são independentes da evolução do medium.
As inovações técnico-científicas levam à necessidade de repensar a bioética: porquê tudo o que nasce para curar se tornou um mecanismo despótico, enquanto a retórica corrente diz que é libertador? Não é suficiente responder com fórmulas obsoletas, pró ou contra a vida, é indispensável abrir novos campos de reflexão, sugere Maurizio Chiodi, da Faculdade teológica de Milão. Enquanto o psicanalista lacaniano Massimo Recalcati recorda que a transmis-são da vida só se humaniza se passar através do desejo do outro, pelo que a filiação como humanização constitui um fato eminentemente cultural, que não se pode reduzir a biológico. A ausência do pai — ou seja, daquele que deseja o outro — constitui a raiz comum de muitas formas da dificuldade contemporâ-nea, precisamente porque já não há transmissão da lei: passou-se do modelo de Édipo — o pai testemunha da lei, visto como obstáculo — para o de Telêmaco, espera do pai como expectativa da lei.
Mas são sobretudo as relações teológicas que permitem ir até ao fundo do problema, porque se trata de uma teologia não só desenvolvida em relação à história da salvação mas – como ressalta Sequeri – a toda a história da humani-dade. Porque a pergunta à qual é preciso responder hoje é, se a Bíblia fala apenas aos crentes, ou se fala a todo o gênero humano. Por isso, é fundamental averiguar não só a razão teológica da unidade do gênero humano, mas também as razões teológicas do vínculo humano que se vai criando ao longo da história, para as quais só a lei natural não constitui uma explicação suficiente.
Giuseppe Angelini, da Faculdade teológica de Milão, denuncia que a família hoje assume uma forma predominantemente afetiva, renunciando ao papel de intermediário cultural, motivo pelo qual esclarecer a qualidade do ato de gerar parece urgente, também por causa das dificuldades com as quais se depara a transmissão de cultura, de uma geração para outra. Se sob o ponto de vista teológico há sugestões recentes que tendem a desenvolver analogias centradas sobre a família, o matrimônio e a fecundidade, Emmanuel Tourpe, da Faculté de Théologie de Bruxelas, aprofunda este percurso sugerindo que «a família não só é igreja doméstica; ela é, como união esponsal e fecundidade, a primeira imagem de Deus no ser»; eis por que – afirma - «se tem diante dos olhos o obje-tivo mais promissor e, contemporaneamente, a tarefa mais crítica de uma metafísica cristã atual».
O congresso ofereceu uma sucessão rica de estímulos intelectuais e temas para a reflexão, delineando um percurso de pesquisa intelectual imprescindível se se quiser enfrentar de modo deveras eficaz a crise cultural que está a ameaçar o próprio fato de gerar nas suas raízes e as relações que disto derivam, a privar de dignidade a ética sexual católica, contestada por genders e relativismo. Se não voltarmos a escavar nos nossos fundamentos teóricos, será difícil responder a estes desafios e sem dúvida os dois dias de reflexão em Milão ofereceram um ponto de partida importante.



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